Por Rafael Birmann, CEO da Birmann e presidente da Fundação Aron Birmann
11 de junho de 2024
1. Quando a arquitetura e o urbanismo sustentáveis entraram na sua vida?
Meu pai que decidiu criar uma empresa de investimentos imobiliários há quase 50 anos. Eu não conhecia nada do assunto, mas queria provar para mim mesmo e para o meu pai, que eu poderia ter sucesso naquele setor. Era fim dos 1970 e o que me incomodava mais eram os muros que fragmentavam a cidade. Muros bloqueiam a mobilidade, frustram as conexões, sequestram a interação das pessoas e cegam a perspectiva urbana. Matando a urbanidade, estragam nossas cidades, além de poderem provocar uma sensação de claustrofobia.
Por outro lado, havia a predominância do modernismo na arquitetura, tanto no urbanismo quanto no design. O movimento sempre me pareceu de uma estética feia, mas quando o critiquei, ouvi como resposta: “Você não gosta porque não entende, não tem um nível de educação necessário para apreciar o modernismo”. Continuo não tendo.
Com isso tudo, cada vez mais me interessei pelo urbanismo, achando que o assunto era importante demais para ser deixado apenas nas mãos dos arquitetos. Nos meus projetos, buscava entender qual a melhor implantação no terreno ou interação com a cidade, o que deveria ser
valorizado e o que não.
Em uma conversa com o arquiteto João Henrique Rocha ele me sugeriu a leitura de Jane Jacobs e seu livro – The Rise and Fall of the Great American Cities. Nunca mais encontrei o João depois daquelas poucas conversas, mas com a Jane tive um relacionamento que só cresceu ao longo dos anos. Depois que li e reli o célebre livro, a Jane passou a ser íntima colaboradora dos meus projetos e das minhas discussões, mesmo que só em espírito.
Muitos livros depois, acabei conhecendo Fred Kent e a PPS (Project for Public Spaces), entidade sem fins lucrativos, cujo objetivo é promover a ideia de “produzir lugares com vida própria” – ou “placemaking”.Assim, de experiências e encontros fui aprendendo e entendendo, sempre perseguindo o horizonte que hoje entendo ser o bom urbanismo, que nada mais é do que uma cidade melhor, um lugar melhor para as pessoas viverem. Urbanismo sustentável é só uma dimensão temporal desse objetivo, de cidades com qualidade, um pensar mais holístico, incorporando o uso e a preservação dos recursos ao longo do tempo, no presente e no futuro.
2. Qual é a sua história de negócio com a inovação sustentável?
O que mais caracterizou minha trajetória foi perguntar constantemente “Como podemos fazer melhor?”. Inovação é respeitar o passado sabendo que tudo pode melhorar. Uma visão anti-entrópica, onde o Jardim do Éden está no futuro, e não no passado. Inovação é não aceitar comer o prato feito, mas querer entrar na cozinha e discutir, e até brigar, com o cozinheiro. Na maior parte das vezes, especialistas são apenas experts do status quo.
3. Existe sustentabilidade sem propósito?
Sustentabilidade virou um termo carregado de ideologia e sentidos tão amplos que perdem a conexão com a verdadeira sustentabilidade, tal como a vejo e que sempre existiu. Sustentabilidade é a eficiência, a resiliência e a permanência. Ela extrapola os limites individuais, sejam de um terreno, de uma indústria, de uma comunidade. Existe um pensamento mórbido de sustentabilidade, o qual não compartilho de jeito nenhum, que é de um planeta com menos pessoas ou até sem pessoas. Se existe algum propósito da sustentabilidade, ele deve ser a busca por cidades melhores, com mais qualidade de vida para as pessoas.
4. De que maneira você consegue equilibrar propósito e rentabilidade nos negócios?
Buscando o “High Ground”, ou seja, o caminho do valor e da verdade, que sempre é mais difícil, mas proporciona o sentimento de realização. Perseguir atalhos e ganhos pequenos é mais fácil, mas nunca satisfatório.
Ao longo da elaboração do projeto B32, incontáveis vezes, nós fomos criticados por pensar em “urbanismo, e não no lucro”, como se fossem perspectivas antagônicas. Mas, de fato, algumas são questões difíceis: será que se justificava todo gasto em uma praça pública com materiais de altíssima qualidade? Será que o investimento em um teatro com tecnologia no estado da arte se pagará?
O setor imobiliário, está muito acomodado. Numa visão mais global, existem tantos fatores que vão afetar os resultados, como a qualidade do produto, o engajamento dos inquilinos, o entrosamento com a cidade, a percepção dos critérios de atendimento do ESG, a maior liquidez, potencial de marketing, visibilidade orgânica. O que mata um negócio imobiliário é a comoditização dele, ou seja, resumi-lo a preço.
Posso dizer que todos os investimentos que fizemos em urbanismo fizeram do B32 detentor da maior rentabilidade entre todos escritórios na Avenida Faria Lima, o que não é pouca coisa e comprova que urbanismo dá lucro e ainda pode contribuir muito com a sustentabilidade.
5. O mercado está maduro para entender e consumir projetos sustentáveis?
O mercado nunca está maduro, ele está sempre em evolução, um sistema de autocorreção automática. Se você atende o mercado, você prospera, se você não atende, você morre. E quem corrige o mercado? A sociedade. E a sociedade tem exigido mais produtos sustentáveis, urbanos e éticos, impulsionando uma importante transformação mercadológica.6. A demanda por parceiros e certificações ESG aceleraram a transformação cultural do mercado brasileiro?
Sem dúvida, as certificações te orientam, educam e permitem você transformar seu esforço em um número, entender onde você se encontra. Mas como sempre, certificações não representam tudo, são só uma indicação de vetor da direção correta. Assim também é o ESG, cujos conceitos devem evoluir nos próximos anos, refletindo valores da sociedade.
7. O que torna sua “Baleia Prateada” um ícone de inovação em Arquitetura e Urbanismo sustentáveis?
A baleia já é um ícone da Faria Lima e de São Paulo. Como todo símbolo, ela nos fala a um nível mais profundo. Quem não conhece as histórias de Pinóquio, de Leviatã, de Moby Dick, de Jonas? Essas histórias nos falam respectivamente da vontade de ser mais humano, de um gigante invencível, portanto resiliente e sustentável, ou da busca obsessiva de objetivos quase impossíveis, e finalmente a história de um rito de passagem para se alcançar valores maiores. São histórias, lendas, narrativas carregadas de significados, que nos falam diretamente sobre a luta por uma cidade melhor. Nossa baleia prateada é um símbolo de todos os valores que sonhamos quando sonhamos com uma cidade melhor.
8. Como funciona o modelo de negócio do B32?
Em primeiro lugar, decidimos alugar as lajes, mas não vendê-las. Isso implica em análises de longo prazo e comprometimento constante em fazer melhorias a todo momento e ajustar aspectos do prédio e negócio. Em segundo lugar, implantamos uma gestão orgânica, com mínimo de terceirização. Nosso core business são os serviços prestados ao inquilino, de maneira que se torna essencial manter total controle dessas atividades e alinhá-las aos interesses do inquilino. Outro ponto é a exploração dos serviços a partir de uma política de preços flexível. As lajes não vêm com vagas fixas de garagem, que podem ser contratadas conforme a demanda do locatário. A coleta e reciclagem de resíduos é cobrada em modelo pay-per-use, ou seja, proporcionalmente à possibilidade de reúso daqueles volumes, separados e destinados corretamente pela nossa própria equipe. Sem falar nas áreas técnicas, sempre locadas separadamente. Sem fracionamento, é possível realizar uma gestão do condomínio mais eficiente, eficaz e dinâmica.
9. Infraestrutura e regulamentação ainda são grandes desafios para inovar no urbanismo?
Sei que é polêmico, mas acredito que o excesso de regulamentação tem sido um dos grandes culpados pelos problemas de nosso urbanismo. Essas regras não têm mecanismo de autocorreção, como o mercado. Permanecem erradas por décadas, senão séculos. O excesso de regulamentação ossifica o futuro com visões do passado, endurece o tecido urbano e amarra a criatividade dos agentes.
10. Qual sua visão de futuro sobre as novas gerações de urbanistas e arquitetos?
Os arquitetos precisam dialogar mais com a sociedade, a começar pelo cliente que o contrata. Essa falta de ouvir, presunção tão comum entre os arquitetos tupiniquins, além de ser um pensar sem críticas, é uma tremenda falta de respeito com o consumidor que está pagando pelo seu serviço.Recomendo humildade, foco nos projetos mais comezinhos, deixem a mudança total do habitat humano para mais tarde. Leiam Jane Jacobs e Jan Gehl e mergulhem no universo da PPS. Antes de trabalhar para o governo, trabalhem na iniciativa privada por pelo menos uns dez anos.
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O Estadão Blue Studio #trends é um espaço editorial para convidados compartilharem suas visões, experiências e inspirações com o mercado. As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.
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