Trends: “O que vende veículos comerciais é o PIB”, diz Marco Saltini, vice-presidente de Relações Institucionais da Volkswagen Caminhões e Ônibus

O executivo fala sobre o impacto do agro, a transição energética e as tendências que vão moldar o futuro dos caminhões no Brasil.

10 de novembro de 2025

Trends: “O que vende veículos comerciais é o PIB”, diz Marco Saltini, vice-presidente de Relações Institucionais da Volkswagen Caminhões e Ônibus

Com quatro décadas dedicadas ao setor automotivo, Marco Saltini, vice-presidente de Relações Institucionais da Volkswagen Caminhões e Ônibus, tem acompanhado de perto as grandes transformações da indústria. À frente das relações institucionais da montadora desde 2007, o executivo destaca o papel pioneiro da VWCO no desenvolvimento de soluções como o caminhão elétrico 100% nacional e os investimentos em combustíveis alternativos, como biocombustíveis e diesel verde. Na entrevista a seguir, ele fala sobre os desafios da transição tecnológica, o impacto do agronegócio nas vendas e as tendências que devem redefinir o transporte de carga.

Marco Saltini, vice-presidente de Relações Institucionais da VWCO. Foto: Daniel Teixeira/Estadão Blue Studio

1 – Você tem mais de 40 anos de experiência no setor automotivo. Desde 2007, na Volkswagen, você acompanhou muitas transformações no setor. Qual considera ter sido o momento mais importante dessa trajetória? 

Eu diria que o programa de emissões no Brasil foi um marco importante. Em 1986, ele foi aprovado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, estabelecendo metas de redução das emissões dos veículos e transformando a indústria. Participei até mesmo da formulação do programa, pois, quando cursava engenharia, trabalhava como estagiário na Cetesb, onde esse programa foi idealizado. Depois, toda a gestão de qualidade, no final dos anos 1980 e 1990, com os programas de qualidade e as certificações da ISO, também transformou substancialmente a indústria, e o setor automotivo teve um papel importante em impulsionar essas inovações.

2 – Como se dá a gestão da vice-presidência de relações institucionais dentro da montadora?

A área de Relações Institucionais tem dois focos principais. O primeiro é toda a parte de patrocínios e doações: todas as propostas recebidas, inclusive as de marketing, passam por um comitê institucional. Essa área coordena o comitê, que avalia e toma todos os cuidados para garantir que tudo esteja alinhado às políticas não apenas da Volkswagen Caminhões e Ônibus, mas também do Grupo Traton, do qual a empresa faz parte. Uma vez aprovado, o projeto é encaminhado para a diretoria.

O segundo foco é a relação com o governo e as entidades de classe, uma interface com o poder público cujo principal objetivo é preservar e defender os interesses da empresa, não apenas junto ao governo e ao Congresso, mas também junto às entidades representativas do setor.

3 – A VWCO amplia cada vez mais a agenda ESG. Quais foram os principais avanços registrados nos últimos anos?

Em 1987, lançamos o primeiro caminhão movido a álcool. Mais recentemente, desenvolvemos e passamos a produzir, com todo o desenvolvimento realizado no Brasil, um caminhão 100% elétrico. Seguindo o conceito de parceria que norteia a atuação da Volkswagen Caminhões e Ônibus, buscamos parceiros para viabilizar esse projeto, e desde 2021 já o produzimos e comercializamos. Também temos trabalhado com o óleo vegetal hidrotratado, conhecido como diesel verde — ainda não é uma realidade, mas nossos produtos já estão preparados para operar com esse combustível. Além disso, estamos avançando nas pesquisas com biometano, alternativa importante para o futuro da mobilidade sustentável.

4 – Como você avalia o cenário atual do mercado de veículos comerciais e pesados no Brasil? E no mundo?

Estamos vivendo um momento bastante delicado. Mesmo em nível global, a transição tecnológica em busca de uma mobilidade mais sustentável não é rápida e envolve grande complexidade, especialmente pela necessidade de infraestrutura adequada. Muitos países desenvolvidos, que inicialmente ofereceram incentivos para acelerar o avanço dessas novas tecnologias, acabaram recuando, o que resultou na queda das vendas desses produtos.
No Brasil, o cenário também é desafiador. Nos últimos meses, o que vende veículos comerciais é o PIB. Se a atividade econômica está em alta, você vai vender. Reflexo de uma decisão tomada ainda na década de 1950, quando o País optou por um modelo de transporte de cargas essencialmente rodoviário. Ou seja, qualquer expansão econômica depende, inevitavelmente, dos caminhões para movimentar a produção.

5 – Quais tendências em inovação você acredita que terão maior impacto no mercado brasileiro daqui pra frente?

Eu diria que, nos próximos anos, veremos um aumento significativo da eletrificação, inclusive no transporte de carga e de passageiros. São Paulo, por exemplo, passou a permitir que a frota de ônibus, além de elétrica, também possa ser a biometano, o que representa uma nova e importante oportunidade. O Brasil tem uma forte tradição no uso de biocombustíveis, e seguir nesse caminho é essencial para ampliar a sustentabilidade dos produtos, mantendo um custo de infraestrutura menor que o da eletromobilidade. Isso também permite ganhar tempo para investir e expandir essa infraestrutura de forma mais consistente. Acreditamos em alternativas promissoras nesse processo de transição.

6 – O crescimento do agronegócio ajuda a impulsionar a venda e produção dos veículos pesados?

Não tenho dúvida de que o agronegócio ajuda, mas curiosamente, neste ano, os caminhões pesados foram os que mais caíram em vendas. A previsão da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) para 2025 é de uma queda de mercado de 5%, mas, até agora, os pesados já registram queda superior a 20%. Isso ocorre porque o setor agropecuário não está comprando. Como se trata de produtos mais caros e com juros ainda elevados, muitos optam por manter o veículo por mais um ano. Ainda assim, a expectativa de uma safra recorde em 2025/26, ultrapassando 350 milhões de toneladas de grãos, deve impulsionar as vendas, especialmente de caminhões pesados.

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