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Quebra do sigilo da geolocalização do trabalhador deve ser previamente aceita
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Quebra do sigilo da geolocalização do trabalhador deve ser previamente aceita

AGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO Conteúdo de responsabilidade da empresa 31 de agosto de 2022

Por Agência Geocracia

Para a advogada Patricia Peck, empregador deve estabelecer políticas claras sobre eventuais perícias em smartphones de funcionários.

Em entrevista ao Geocracia, a advogada Patricia Peck, conselheira titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD), comenta tendência recente sobre a quebra do sigilo da geolocalização do trabalhador, que tem sido cada vez mais pedida por juízes da Justiça do Trabalho, sobretudo em ações trabalhistas por horas extras. Para a professora da ESPM e sócia do Peck Advogados, essas perícias nos smartphones (corporativo ou pessoal com uso para trabalho) de ex-funcionários só podem ocorrer “desde que haja uma política clara do empregador informando o trabalhador sobre isso, ou seja, que o empregado tenha conhecimento prévio sobre esta possibilidade”, diz Patricia, acrescentando que o tratamento de dados pessoais excessivos, que extrapolem o necessário para a finalidade específica da prova trabalhista pode ser considerado uma violação da privacidade do trabalhador.

prgfh__Qual a sua opinião sobre as recentes decisões de juízes dos TRTs para quebra do sigilo dos dados de geolocalização de ex-funcionários, conforme noticiado pelo Jota em casos de processos por cobrança de horas extras?

Essa situação voltou à tona recentemente. Como o uso de smarthphones depende, para alguns serviços e aplicativos, do aceite para registro da localização, esse tipo de informação tornou-se valiosa, mas devemos pensar: o aparelho é pessoal do trabalhador ou fornecido pelo empregador para uso corporativo? Além disso, o teletrabalho e o home office podem gerar certa confusão na compreensão dos dados coletados e pode haver risco de acesso a dados pessoais e sensíveis que extrapolam a legitimidade do contrato de trabalho.

Ocorre que a CLT prevê a obrigatoriedade do controle de jornada em empresas com mais de 20 funcionários e, ainda, recai sobre o empregador o ônus da prova em questões trabalhistas. Portanto, a estratégia de solicitar dados de geolocalização, sobretudo quando há pedido de horas extras tem sido utilizada, porém precisa haver muita cautela neste sentido. Para que a coleta de provas desta natureza seja viável e esteja adequada com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), é fundamental que sejam cumpridos os princípios de transparência, finalidade, adequação e necessidade previstos no seu artigo 6º.

Claro que estamos diante de exceções de consentimento devido a cumprimento do contrato e de obrigações legais, exercício regular de direitos e atendimento de processo judicial, todas bases legais previstas nos artigos 7 e 11 da lei, mas isso não afasta o dever cumprir com transparência. Afinal, pela geolocalização do celular do empregado, principalmente se o aparelho for particular, o empregador poderá tomar conhecimento de informações pessoais que não guardam qualquer relação com o contrato de trabalho.

Portanto, acredito que a perícia somente poderia ocorrer no aparelho celular, seja ele corporativo ou pessoal (com uso para trabalho), desde que haja uma política clara do empregador informando o trabalhador sobre isso, ou seja, que o empregado tenha conhecimento prévio sobre esta possibilidade. Além disso, o tratamento de dados pessoais excessivos, que extrapolem o necessário para a prova trabalhista, ou seja, finalidade específica, pode ser considerado uma violação da privacidade do trabalhador. Pode haver alguma situação excepcional, quando há suspeita de prática de crime, de fraude, onde por exemplo o trabalhador deveria estar em um local (um entregador, um vendedor porta-a-porta) e diz que foi até lá e não foi, onde haveria justificativa para o não aviso prévio no sentido investigativo. Mas esses casos se mostram excepcionais e precisam estar sempre muito bem justificados e fundamentados.

prgfh__Considerando que os TRTs têm aceitado este tipo de argumentação, pode-se afirmar que o conceito de privacidade está sendo reescrito pela busca de prova sobre atividades laborais? Se sim, em quais termos?

Interessante e necessário elucidar que o direito processual se pauta em provas válidas e lícitas. Nesse sentido, proteção de dados e privacidade são garantias constitucionais pelo artigo 5º. da CF/88 e a prova para ser considerada lícita precisa ser coletada respeitando o previsto na LGPD e na Constituição. Novamente, o que faz toda diferença nestes casos é atender transparência, proporcionalidade, razoabilidade. Há atividades laborais em que, de fato, é essencial o uso desta evidência, mas há o jeito certo de fazer, não pode ser de qualquer jeito.

prgfh__Alguns juristas defendem que, nesse caso, não haveria quebra de sigilo pois o próprio requerente, ao entrar com a ação, já está informando sua localização e não haveria mais privacidade ou caráter íntimo em relação a ela e, portanto, a geolocalização do trabalhador por dados digitais apenas serviria para comprová-la. Concorda com essa tese?

Entendo que há normas específicas sobre os meios de controle da jornada de trabalho, que exigem, por exemplo, homologação do aparelho utilizado com cópia ou extrato das horas realizadas para o controle do empregado. No caso da geolocalização, esta não observa as normas relativas aos equipamentos de controle da jornada de trabalho e poderá se mostrar totalmente ineficaz nas hipóteses do empregado que realiza atividades externas em razão das suas funções ou mesmo quando o celular é utilizado por terceiros durante a jornada de trabalho do empregado. Ficando a regra clara desde o início, é inclusive dado o direito ao funcionário de, tendo ele conhecimento sobre o monitoramento, poder desligar o celular corporativo sempre que não estiver em serviço.

prgfh__Quais seriam as garantias de que este envio de geodados sejam precisos e individualizados? Afinal, a MP 954/2020, de ompartilhamento de dados por empresas de telecom durante a pandemia, foi derrubada no STF exatamente pela impossibilidade de garantir esta individualização.

A Medida Provisória (MP) 954/2020 versava sobre o compartilhamento de dados de usuários de telecomunicações com o IBGE, para a produção de estatística oficial durante a pandemia do novo coronavírus, e o plenário do STF firmou entendimento de que o compartilhamento de dados previsto na MP violaria o direito constitucional à intimidade, à vida privada e ao sigilo de dados. Nesse exemplo, é possível entender como essa questão traz desafios e merece cautela, ainda mais quando diz respeito a dados sensíveis (como as informações de saúde na pandemia). Como a própria corte pontuou, não se pode legitimar o atropelo de garantias fundamentais consagradas na Constituição, como a privacidade do trabalhador no caso da geolocalização. Ainda, não se pode garantir que os geodados sejam individualizados e precisos, pois há diversas formas de se burlar a localização por meio eletrônico (aplicativos sobrepostos, VPN etc).

prgfh__Em relação aos contratos digitais, a informação por geolocalização – hoje muito mais comum e acessível, já que quase todo aplicativo que se instala em um celular consegue embarcar este dado como um atributo simultâneo à manifestação de vontade – deve prevalecer na análise jurídica sobre o local escrito do documento?

Importante dizer que, na maioria das vezes, para que a localização seja registrada em um aplicativo, primeiramente, é solicitado que o usuário conceda a devida permissão de acesso. Se o usuário não conceder a permissão, pode ser que a informação de geolocalização seja prejudicada ou mesmo que não consiga usar o aplicativo. Portanto, como a localização real pode ser burlada com uso de ferramentas digitais, é melhor constar por escrito a localização, para maior segurança jurídica. Além disso, há aplicativos específicos de controle da jornada de trabalho que têm sido objeto, inclusive, de discussão junto aos sindicatos. O pessoal que trabalha com reposição de produtos nos supermercados, por exemplo, possui um dispositivo no celular que é ligado quando iniciam a jornada e, sempre que estão em horário de almoço ou outro intervalo, ele é desligado. Mas há políticas internas nas quais o empregado possui total ciência de como utilizar o aplicativo. Novamente, fundamental atender sempre os princípios da minimização e da transparência, bem como disseminar informação clara por meio de políticas e treinamentos.

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